Em homenagem à filha, a jovem fundou o Instituto Ana
Júlia, com o objetivo de oferecer assistência para crianças com câncer e
doenças raras. A entidade, presidida por Laira, também arrecada fundos
para a compra de medicações consideradas vitais para crianças em
tratamento contra o câncer. “Estou muito feliz! Hoje é um dia memorável,
que vai mudar a história do neuroblastoma no Brasil”, completou.
A ginecologista e obstetra Carla Franco também
celebrou a recomendação de incorporação ao SUS do betadinutuximabe para o
tratamento do neuroblastoma de alto risco. Em seu perfil no Instagram,
ela lembrou que o protocolo para a doença no Brasil não era atualizado
havia dez anos e destacou o alto custo do remédio.
“A medicação mais cara usada na oncologia pediátrica
foi finalmente incluída no SUS”, postou. Além do conhecimento adquirido
como profissional de saúde, Carla tem uma filha diagnosticada com
neuroblastoma. Chamada Linda, a menina, de apenas 4 anos, já passou por
rodadas de quimioterapia, cirurgia para retirada do tumor e dois
autotransplantes de medula.
Nas redes sociais, a médica explicou o que muda, a
partir de agora, com a recomendação de incorporação do medicamento na
rede pública.
“Na teoria, os
pacientes do SUS que não faziam [uso do betadinutuximabe] vão poder
fazer. E o plano de saúde tem que cobrir, sem [necessidade de recorrer
à] Justiça”, destacou a médica.
A
própria Carla enfrentou dificuldades para garantir a cobertura da
medicação pelo plano de saúde contratado pela família. Segundo ela,
Linda precisava iniciar o uso do Qarziba no dia 8 de julho. Após acionar
a operadora em diversos momentos, o tratamento com o remédio foi
iniciado apenas em agosto. Há uma semana, a menina concluiu o ciclo de
dez dias de administração do betadinutuximabe, recebeu alta médica e já
está em casa.
Em janeiro deste ano, a antropóloga e diretora do
Ministério dos Povos Indígenas, Beatriz Matos, lançou uma campanha para
arrecadar recursos em prol do tratamento do filho Pedro, de 5 anos,
também diagnosticado com neuroblastoma. A família já havia vivido outro
drama: o pai de Pedro é o indigenista Bruno Pereira, assassinado em
2022.
O menino precisou ser submetido a um transplante de
medula. A etapa seguinte do tratamento foi o uso do betadinutuximabe. A
mobilização em favor da vida de Pedro revelou o drama de famílias como a
de Ana Júlia e a de Linda, além de muitas outras.
O neuroblastoma é o terceiro tipo de câncer mais
recorrente entre crianças, perdendo apenas para a leucemia e tumores
cerebrais. Figura ainda como tumor sólido extracraniano mais comum entre
crianças, representando entre 8% e 10% de todos os tumores infantis. O
aumento do volume abdominal é um dos sintomas da doença. Por esse
motivo, o tumor pode ser descoberto a partir de queixas da criança
relacionadas a dores na barriga ou mesmo incômodo no tórax. Pesquisas
mostram que o problema, normalmente, aparece até os 5 anos e pode
acometer, inclusive, recém-nascidos.
Entenda
Nesta quinta-feira (5), a Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec) recomendou a incorporação do betadinutuximabe para o
tratamento de neuroblastoma de alto risco na rede púbica. Na prática, a
decisão significa que o remédio passará a integrar o rol de medicamentos
custeados e distribuídos pelo SUS. A condição estabelecida para que a
medicação seja administrada na rede pública é que o paciente tenha sido
previamente tratado com quimioterapia e alcançado pelo menos uma
resposta parcial, seguida de terapêutica mieloablativa e transplante de
células tronco.
O pedido de incorporação do betadinutuximabe ao SUS
foi submetido à Conitec em janeiro deste ano pelo próprio fabricante do
Qarziba, o laboratório Recordati. À época, a farmacêutica defendeu que a
medicação fosse indicada para pacientes a partir dos 12 meses de vida,
que já tenham sido tratados com quimioterapia de indução e que tenham
alcançado pelo menos uma resposta parcial, seguida de terapêutica
mieloablativa e transplante de células tronco; e também para pacientes
com história de recidiva ou neuroblastoma refratário, com ou sem doença
residual.
O laboratório argumentou que o medicamento foi
utilizado em estudos clínicos realizados a partir de 2009 em pelo menos
126 centros envolvendo mais de mil pacientes em 18 países. “A
imunoterapia anti-GD2, como é o Qarziba, não apenas melhora a sobrevida,
como também reduz o risco de que todos os tratamentos anteriores pelos
quais esses pacientes passam falhem com recidiva”, detalhou Recordati.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do betadinutuximabe em 2021. À época,
o medicamento foi indicado pela autarquia para o tratamento de
neuroblastoma de alto risco em pacientes a partir dos 12 meses. Como não
havia passado pela aval da Conitec ainda, o tratamento com o remédio no
país só era possível via rede privada e, conforme relatos de pacientes e familiares, mediante muita insistência junto a operadoras de planos de saúde e processos de judicialização.